sexta-feira, 18 de junho de 2010

Morre José Saramago... Para além dos muros de Berlim


Do alto dos seus 87 anos de vida, o escritor português José Saramago morreu hoje, 18 de junho, deixando um legado de opiniões fortes e uma vasta obra literária. Prêmio Nobel de Literatura em 1998, primeiro escritor de língua portuguesa a obter a honraria, Saramago mostrou ao longo de sua vida uma paixão duradoura pela literatura.


Deixo de lado a análise da forma - textos marcados pelos períodos longos e pela pontuação em muitos momentos quase inexistente - para me atentar ao conteúdo, sempre recheado de reflexões fortemente humanistas.


Foi um autor polêmico. Declaradamente ateu convicto, muitas vezes desagradou os religiosos, em especial a igreja católica. Paradoxalmente, também desferia duras críticas à esquerda, que "não pensa nem atua", apesar de afirmar ser um "comunista hormonal".


Vão-se as polêmicas, fica a obra. O crítico Harold Bloom qualificou-o como "o escritor de romances mais dotado de talento dos que seguem com vida, um dos últimos titãs de um gênero em vias de extinção". A citação consta do prefácio de "O Caderno", assinado pelo italiano Umberto Eco, reproduzido pelo site do jornal espanhol "El País".


Fica na minha lembrança, o lançamento do projeto "Terra" aqui no Espírito Santo, evento no qual tive a honra de fazer o papel de cerimonialista. O livro de fotografias Terra, de Sebastião Salgado, contou com a introdução de José Saramago e incluía um CD de Chico Buarque.


O projeto foi dedicado "aos milhares de famílias de brasileiros Sem Terra que sobrevivem em acampamentos improvisados às margens das rodovias, lutando, na esperança de um dia conquistar um pedaço de terra para produzir", nas palavras de Chico Buarque.


Saramago vai além, muito além do que se pode traduzir. Nos últimos tempos, aderiu à internet, publicando textos em seu blog "Outros cadernos de Saramago". No cyberespaço , o escritor se dispunha a escrever suas reflexões sobre o mundo na internet e a dialogar com os leitores.


Ali ele também voltou seu olhar crítico para a cidade do Rio de Janeiro. Em artigo publicado no blog em março de 2009, Saramago comparou aos muro de Berlim e da Palestina o projeto do estado de construir muros como ecolimites em favelas cariocas.


Cá para baixo, na Cidade Maravilhosa, a do samba e do carnaval, a situação não está melhor. A ideia, agora, é rodear as favelas com um muro de cimento armado de três metros de altura. Tivemos o muro de Berlim, temos os muros da Palestina, agora os do Rio. Entretanto, o crime organizado campeia por toda a parte, as cumplicidades verticais e horizontais penetram nos aparelhos de Estado e na sociedade em geral. A corrupção parece imbatível. Que fazer?"


Após a declaração de Saramago, a iniciativa do governo ganhou repercussão internacional e também foi alvo de críticas do jornal inglês "The Times", afirmando que as barreiras iriam segregar milhares de moradores das favelas em guetos, e do jornal espanhol "El País", que chegou a dizer que os ecolimites tinham "aspecto penitenciário" .

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